A última eleição americana acendeu novas discussões sobre política econômica quando Bernie Sanders, candidato do partido democrata, designou a economista Stephanie Kelton como sua conselheira, talvez a maior e mais famosa propositora da teoria monetária moderna nos EUA. Como resultado, a Teoria Monetária Moderna esteve sob o holofote mais uma vez.
Considerada por muitos economistas como a panaceia para grande parte dos problemas econômicos, a MMT está situada no campo heterodoxo da ciência, tomando como pilar a teoria cartalista da moeda – que a define como uma “criatura do estado”, e não como commodity -, sendo considerada também uma teoria pós-keynesiana. A teoria monetária moderna tem em seu cerne a institucionalização da moeda como um monopólio do governo. Em outras palavras, soberania monetária. A principal ideia é que o governo tenha a autoridade necessária para emitir a moeda para que, através de políticas fiscais, atinja-se o pleno emprego. No entanto, os gastos requerem parcimônia, pois, para os proponentes da teoria, a inflação deve ser o principal termômetro para garantir um balanço econômico saudável.
De maneira geral, a MMT define uma série de corolários que são fundamentais para esse novo modelo macroeconômico:
1. A política fiscal é, sobretudo, a principal ferramenta para promover o pleno emprego. A política monetária tem, portanto, tem papel secundário;
2. A forma de se financiar gasto público é a emissão de moeda;
3. A moeda é um passivo do estado;
4. A emissão de moeda não necessariamente gera inflação.
A moeda é um passivo do estado? Como assim?
Até a década de 70, o dólar era lastreado pelo ouro que, próximo ao final do modelo de Bretton Woods, valia 1/48 avos de uma onça troy. Esse modelo de paridade fixa vinha em depressão desde a década de 30, uma vez que o governo americano emitia cada vez mais moeda para lidar com o déficit de seus balanços de pagamento, causando assim uma desvalorização constante da moeda americana frente ao seu par. Com os receios acerca do futuro, o mercado internacional deu início ao processo de reversão de dólares, causando uma queda vertiginosa na reserva de ouro americana. Em resposta a esse movimento, o governo estadunidense, - em um evento conhecido como o Choque Nixon -, balançou a dinâmica das estruturas econômicas internacionais com o objetivo de se proteger. Para tanto, a solução foi cancelar a conversibilidade internacional do dólar em ouro.
Desde então, sem qualquer lastro, a moeda virou uma obrigação do estado, sendo esta puramente fiduciária. De maneira mais prática, se um banco comercial pede dinheiro para o Banco Central, o Bacen o fornece, com algum empréstimo ou título público em troca. Nesse momento, o empréstimo se torna um ativo e, com o objetivo de manter a igualdade da balança patrimonial, a moeda torna-se um passivo. Isso acontece pois, em caso de uma devolução por parte do banco comercial, o governo terá a obrigação de devolver o título. Com isso em mente, é racional pensar que o governo sofre de uma rolagem perpétua de dívidas, pois essa é paga com a moeda, que também é um passivo do estado. Essa ideia, por sua vez, abre espaço para dizer que a expansão da base monetária não necessariamente gera inflação.
O maior exemplo foram as rodadas de Quantitative Easing executadas pelo Federal Reserve a partir de 2008, com o objetivo de reaquecer a economia americana e colocá-la de volta aos trilhos. Ao longo dessas rodadas de estímulo, o Fed executava operações em open market, recomprando periodicamente seus próprios títulos, e em alguns casos hipotecas dos bancos. De certa forma, segundo Ben Bernanke – ex-presidente do Fed, essas práticas são mais parecidas com imprimir dinheiro do que com emprestar. A injeção de liquidez através dos bancos não implica necessariamente em uma expansão da base de crédito. Por esse motivo, segundo proponentes da MMT, atesta-se a não relação de causa-consequência entre a expansão da base monetária e inflação, vide abaixo:
Isso, entretanto, não quer dizer que o governo não possua ferramentas para lidar com uma possível pressão inflacionária. Segundo a MMT, enquanto o governo promove o pleno emprego e cria dinheiro, a tributação se torna uma forma de destruí-lo, controlando a oferta de moeda na economia. Esse pensamento é extremamente heterodoxo, pois coloca em segundo plano o impacto das políticas monetárias, promovendo a política fiscal ao papel de protagonista.
Antes de adentrar nos percalços e críticas relacionadas à MMT, é necessário elucidar a diferença no conceito de inflação entre a escola austríaca, principal opositora da Teoria Monetária Moderna, e a definição atrelada ao uso corrente da palavra. Para os austríacos, a inflação é definida como o aumento na oferta de moeda, enquanto em sua utilização mais usual, é tomada como a perda generalizada do poder de compra. Essa divergência entre o significado de um conceito tão fundamental gera um ambiente de dissonância entre os defensores das duas ideias, pois, segundo os conceitos adotados pelos austríacos, um aumento na oferta de moeda gera, por definição, inflação. Ludwin von Mises, famoso economista e membro da escola austríaca retoma a discussão sobre a definição formal de inflação, e coloca em pauta em seu livro “A teoria do Dinheiro e Crédito”, que uma expansão da base monetária não causaria inflação no caso de um aumento proporcional da demanda por moeda, fortalecendo em partes a MMT.
Nesse sentido, a natureza da teoria é altamente criticada, uma vez que as ideias disruptivas não agradam o paladar de economistas mais ortodoxos. Dentre elas, e deixando de lado as relacionadas à própria definição de inflação, temos:
1. A MMT superestima a política fiscal enquanto subestima a da política monetária:
Segundo alguns economistas, o modelo de centralização em política fiscal é falho, pois em 1960, o governo americano do então presidente Lyndon Johnson priorizou o aumento de tributação como ferramenta de controle de oferta e foi, nada obstante, vítima da alta inflação.
2. Da mesma forma, superestima a habilidade das autoridades fiscais de controlar a inflação;
Como a política fiscal é executada pelo governo, o rumo das políticas é enviesado, extremamente suscetível às pressões populistas e interesses pessoais. Como exemplos, temos os casos da Venezuela e Zimbábue que sofreram um colapso econômico, resultado de hiperinflação, devido à emissão forçada de moeda para satisfazer apetites políticos.
3. Países que têm sua dívida em moeda estrangeira estão fadados ao default.
Em um lado, temos o Japão, que possui hoje uma Dívida/PIB de aproximadamente 250%, como visto abaixo, e não tem sua economia assombrada pela inflação, estabelecendo-se abaixo dos patamares de 1% desde 2014.
No outro, temos o caso da Grécia, que deu default na crise de 2008, assim como a Argentina. Isso demonstra que uma alta dívida pode ser economicamente sustentável em um ambiente, mas insustentável em outro.
Segundo a MMT, no entanto, a diferença entre esses dois extremos se dá pelo fato de que o Japão tem soberania monetária e, portanto, tem o poder de emitir sua própria moeda, enquanto a Grécia se encontra à mercê do euro e, no caso da Argentina, por possuir grande parte da sua dívida em moeda estrangeira.
Além das mais fundamentais, comentários sobre a inocência e irresponsabilidade da teoria são bem comuns. Para alguns economistas, a ideia de uma taxa de juros permanentemente em 0%, como proposto pela Teoria Monetária Moderna, é extremamente nociva para o ambiente econômico internacional, uma vez que deixa de fornecer orientação para países emergentes como o Brasil e o México. Ademais, outras importantes individualidades do mercado financeiro afirmam que o aumento da tributação como meio de controlar a oferta da moeda levaria a situação de mal a pior, como em casos de países como o EUA que possuem a população excepcionalmente aversa ao aumento dos impostos, ocasionando revoltas e insatisfação popular. Em casos mais extremos, o aumento das taxas poderia, paradoxalmente, aumentar o desemprego e desacelerar a economia.
Por fim, percebe-se que a MMT divide a opinião dos mais diversos especialistas. A dicotomia entre teoria e prática gera discussões acerca da utilidade desse framework econômico como resposta a momentos de crise, abrindo espaço para discussões sobre os efeitos negativos a longo prazo de um aumento da Dívida/PIB, as relações entre pleno emprego e inflação, assim como os papéis de política fiscal e monetária em uma nação. Com todas essas informações em mente, seria mesmo a MMT a resposta para nossos problemas?
Autor: Gabriel Ferreira Mendes | linkedin
Referências
[3] Teoria monetária moderna : a soberania do Estado acerca da moeda em uma economia monetária de produção (ufrgs.br)
[6] Monetary Gold Stock for United States (M1476CUSM144NNBR) | FRED | St. Louis Fed (stlouisfed.org)
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