Primeiro, precisamos entender que todos os países do mundo (até mesmo os Estados Unidos) pegam dinheiro emprestado para “bancar” seus gastos e fazer com que a economia do país não pare de funcionar. Ou seja, utilizam da emissão de títulos públicos, empréstimos com outros países, o Fundo Monetário Internacional (FMI), para captar dinheiro e honrar com as suas obrigações - podendo ser salários de funcionários públicos, investimentos em infraestrutura, programas sociais, restituições, entre outros. A partir disso, de maneira sucinta, o país fica devendo dinheiro à terceiros (que podem ser os países, instituições e até mesmo pessoas físicas que compram os títulos do governo americano - denominados como “Treasuries”) e possui um prazo para arcar com essa dívida, que muitas vezes é renegociado ou pago com novos empréstimos, dependendo da condição financeira do país no momento de vencimento daquele acordo.
Como ilustração, temos o gráfico da dívida máxima dos Estados Unidos desde o ano de 1999:
Gráfico 1 - Evolução da dívida dos Estados Unidos (1999-2023, US$ trilhões)
Fonte: Bloomberg, XP Research / Elaboração própria.
Agora, o que é o calote da dívida e o porque essa pauta veio à tona nos noticiários recentemente.
Nesse contexto, há um limite máximo, denominado como “teto da dívida” e determinado pelo Congresso do país, que o governo pode atingir em dívidas (que seria todo esse dinheiro devido a terceiros). E, recentemente, o número de $31,4 trilhões, que representa o número máximo atual da dívida dos EUA, entrou em discussão devido a uma divergência de ideias entre os parlamentares democratas e republicanos do governo norte-americano. De um lado, Joe Biden (atual Presidente dos Estados Unidos, democrata) necessita de dinheiro, ou seja, mais dívida, para continuar governando o país. Esse dinheiro seria usado para financiar todas as suas políticas públicas, ideais (e, desse mesmo lado, não tendo dinheiro para “quitar” a dívida - daí o nome “calote da dívida”). Do outro lado, os republicanos se recusam a aumentar o teto de maneira “limpa” e exigem contrapartidas orçamentárias - que viriam a afetar as políticas de Joe e acarretaria em uma perda de popularidade.
O embate entre os partidos norte-americanos é algo constante em todas as frentes políticas: executivo, judiciário e legislativo. No caso, estabelecer o limite de endividamento do país é uma atribuição dada ao Poder Legislativo e encaminhada para votação em ambas “as casas” (Senado e Câmara). Os gráficos (abaixo) de representação dessas sedes explicita bem o embate descrito durante o texto.
Gráfico 2 - Configuração atual da Câmara dos EUA
Gráfico 3 - Configuração atual do Senado dos EUA
Fonte: XP Research / Elaboração própria.
Existe uma única alternativa que não depende do consenso entre os partidos: a 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América versa que as dívidas assumidas pelo governo do país são primordiais e, portanto, não podem ser contestadas pelos poderes públicos ou pela sociedade civil. Entretanto, essa Lei nunca chegou a ser utilizada e, provavelmente, soaria com um ar mais autoritário por parte de Joe. E, afinal, o porque esse calote poderia mudar a dinâmica econômica mundial?
De maneira direta, se os EUA não elevarem o teto da dívida, não poderiam mais captar dinheiro - e rapidamente, iriam parar de honrar com as suas obrigações. Assim, benefícios econômicos seriam cortados das famílias (que não teriam mais dinheiro para consumir) e o consumo econômico do país entraria em colapso rapidamente. Imagine só, uma economia que movimenta bilhões de dólares diariamente simplesmente “parando de funcionar”.
Ademais, não podemos esquecer a importância econômica mundial que a terra do Tio Sam possui. Atualmente, a maior economia do mundo representa, também, o maior exportador agrícola do mundo (dando destaque para o milho e soja), o maior produtor mundial de petróleo bruto, sem falar em toda a sua influência política, tecnológica e midiática sobre todos os outros países do mundo - só pensar em toda a representatividade que o país possui desde o fim da 2ª Guerra Mundial.
As repercussões de um calote seriam instantâneas: pedidos de matéria-prima deixariam de chegar nas fábricas chinesas, investidores do Leste Europeu que possuem títulos do Tesouro Americano sofreriam perdas significativas, empresas espalhadas por todo o mundo, que dependem do dólar para realizar todas as suas negociações no mercado, simplesmente perderiam o seu poder de compra de uma hora para a outra. Como exemplo, imaginemos a Vale S.A. (exportadora de minério de ferro brasileira, caracterizada como maior empresa do Brasil em valor de mercado, além de ser a empresa mais representativa do índice Ibovespa - aprox. 14%) perdendo todo o seu poder de negociação, dado que, atualmente, o minério de ferro é comercializado em dólar e a maior parte da receita de empresa depende disso - e em questão de dias, o dólar, provavelmente, voltaria a patamares extremamente baixos, desinflando as receitas rapidamente.
Ainda sobre o dólar, este perderia o seu valor por 2 ideias principais: risco país e oferta/demanda da moeda. A primeira diz respeito ao risco associado à economia do país, ou seja, um país que está prestes a entrar em um possível colapso econômico não seria tão atrativo para um investimento, fazendo com que os investidores/empresas/países vendessem seus títulos rapidamente para “salvar-se” de uma possível crise. Essa venda de títulos influencia diretamente na 2ª ideia, com a venda, muito dinheiro seria injetado na economia (logo, maior oferta de moeda) e a demanda seria muito pequena por conta do receio das pessoas com o país. Dessa forma, os preços seriam impulsionados para baixo, como mostra o gráfico ilustrativo abaixo.
Gráfico 4 - Cotação do dólar (R$) em um cenário de calote da dívida
(meramente ilustrativo)
Fonte: Investing / Elaboração própria.
No fim das contas, como era esperado pelo mercado, o projeto que visava o fim do teto de gastos (uma solução momentânea encontrada para que não fosse preciso encontrar um novo valor para o teto) foi aprovada na Câmara dos EUA no dia 31 de maio de 2023 por 314 votos a fator a 117 contra. Seguindo a mesma linha, o projeto foi encaminhado para o Senado e também obteve êxito - nesse momento foram 63 votos a favor e 36 contra.
Com a aprovação, o teto da dívida norte-americana fica “cancelado” (pelo menos) até o dia 1ª de janeiro de 2025, ou seja, após as eleições que irão ocorrer em novembro de 2024. Assim, todas as angústias e preocupações descritas nesse texto não irão - pelo menos por enquanto - ocorrer e a economia da maior potência do mundo continuará utilizando das dívidas para o seu desenvolvimento econômico. Como Joe Biden disse após o acordo: “O acordo bipartidário foi uma grande vitória para a economia norte-americana”.
Referências:
[2] https://www.infomoney.com.br/economia/por-que-o-impasse-do-teto-da-divida-nos-eua-preocupa-o-mundo/
Mateus Coelho Marques da Silva | https://www.linkedin.com/in/mateus-coelho-marques-da-silva-292b4b23b/
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