Em 2010, como um projeto entre a Internatinal Accounting Standars Board (IASB), britânico, e a Financial Accounting Standard Board – FASB, norte americano, a nova norma começou a ser elaborada. E, em janeiro de 2016, a IASB emitiu um novo padrão para a contabilidade de arrendamento, o International Financial Reporting Standard – IFRS 16¹, que entrou em vigor em janeiro de 2019, ou seja, afetou primeiramente os releases do 1ºT19.
O IFRS 16 é o aprimoramento de uma norma: a IFRS. Ela teve o objetivo de aperfeiçoar a forma com que as empresas do mundo todo fazem a gestão dos seus contratos de arrendamento, para assim os analistas terem exata noção dos compromissos de longo prazo. O IFRS 16 estabeleceu princípios para: reconhecimento, apresentação, mensuração e divulgação de arrendamentos visando a representação fiel das transações entre arrendatário e arrendadores. Para entender a nova norma, é necessário entender a norma antiga – International Accounting Standard (IAS 17)– e, também, o que são as Operações de Arrendamento Mercantil.
IAS 17 e as Operações de Arrendamento Mercantil
O Contrato de arrendamento ou leasing é muito utilizado pelas empresas e consiste basicamente em transferir o direito de usar um ativo por um período em troca de uma contraprestação (na maioria dos casos, dinheiro). De maneira mais simples, podemos exemplificar: uma locadora de carros (arrendador) aluga um carro (ativo) para um turista (arrendatário), e esse deverá pagar pelo serviço, à vista ou em prestações. A diferença de um simples aluguel de carro para o leasing é que, neste, o arrendatário tem a opção de comprar o ativo no final do período do contrato.
Esse tipo de contrato permite mais flexibilidade e viabilidade ao acesso a bens e a equipamentos sem a necessidade de movimentação de grandes quantias de dinheiro. Sabendo disso, fica fácil entender porque muitas empresas utilizam o leasing para alugar carros, escritórios, lojas, galpões, usinas, plataformas de petróleo ou aeronaves.
No Pronunciamento Técnico CPC 06 (R1) – Operações de arrendamento Mercantil, aprovado em 2010², foram colocadas em vigor as políticas contábeis dos arrendamentos mercantis. Ele os divide em duas classificações:
Arrendamento Financeiro: Quando existe a transferência considerável de todos os riscos e benefícios ligados à propriedade/ativo³;
Arrendamento Operacional: Quando não existe a transferência de todos os riscos e benefícios ligados à propriedade/ativo (4);
Nas demonstrações das empresas, a classificação do arrendamento mercantil era registrada apenas como despesas nas notas explicativas “arrendatária” ou junto aos pagamentos das prestações. Dessa forma, nenhum ativo ou passivo era registrado – já que o arrendatário não possuía o título de propriedade.
No entanto, com as alterações contábeis ocorrendo, foi redefinido o conceito de ativo(5), assim, ficou determinado que o Arrendamento Financeiro deveria ser registrado agora no Ativo Imobilizado, ou seja, no Balanço Patrimonial, e não somente nas Notas.
Motivação
As normas publicadas pelo IFRS 16 tinham como objetivo principal a criação de um modelo que pudesse trazer quase todas as transações de leasing para dentro do Balanço Patrimonial. Elas estavam alinhadas com as normas mundiais relativas ao compliance empresarial e à legislação anticorrupção, garantindo maior transparência na relação com os investidores.
O primeiro incômodo que levou a criação da norma foi quando um auditor percebeu que não fazia sentido viajar em um avião da British Airways que não está no balanço de ninguém. O fato de muitos arrendamentos serem contabilizados como “off-balance”, ou seja, fora do balanço, gera dificuldades quando se compara demonstrações financeiras e indicadores financeiros entre companhias. Se uma decide comprar um ativo e outra decide arrendá-lo, apesar de serem muito parecidas, a primeira é reconhecida como uma compra financeira (e entra diretamente no Balanço Patrimonial), e a segunda pode até não ser reconhecida nas demonstrações.
O IFRS 16 e seus impactos
Com a nova norma, determinou-se que o arrendatário deve reconhecer como Ativo Imobilizado o bem arrendado, a novidade foi que isso foi aplicado aos arrendamentos financeiros. Essa mudança afetou significativamente setores com alta intensidade de leasing, como:
As companhias aéreas: arrendam aeronaves em montantes significativos;
O setor de óleo e gás: arrendam plataformas, estaleiros e outros ativos;
Varejo: arrendamento de imóveis (lojas);
Hotéis: arrendamento de imóveis – forte impacto nos Estados Unidos.
Sabendo que, no Balanço Patrimonial, a soma dos ativos deve ser igual a soma dos passivos mais o patrimônio líquido, ao somar nos ativos, algo deve ser adicionado aos passivos. Portanto, de um lado, adiciona-se no imobilizado, e do outro lado, na conta de financiamentos, ou seja, consequentemente aumenta-se o endividamento das companhias.
Ao evoluir nas demonstrações financeiras, observa-se não só uma alteração no endividamento das empresas, mas também um impacto em praticamente todos os índices financeiros, como EBITDA, Lucro Operacional e ROA. No primeiro trimestre de 2019, a projeção de EBITDA feita pelos analistas de mercado foi muito destoante do lançado pelas empresas – apareceu maior que o estimado - e, por ser um dos indicadores mais observados, causou uma certa insatisfação por parte dos investidores.
Exemplos
No primeiro semestre de 2019, duas empresas do setor de aviação, Azul e Gol, realizaram um EBITDA respectivamente de R$ 724,2 milhões e R$ 951,8 milhões, sendo que as expectativas de mercado estavam em torno de R$ 384,2 milhões e R$ 698 milhões;
A planilha Exemplo Azul IFRS 16 mostra as demonstrações contábeis, simplificadas, da empresa Azul S.A. Nela são exibidos os Balanços Patrimoniais do 4T17 a 4T18 lançados pela norma IAS 17 e IFRS 16. Além disso, estão exibidas as DRE’s dos quatro trimestres de 2018 e as consolidadas dos anos de 2017 e 2018, também lançadas pela norma IAS 17 e IFRS 16. Com isso, podemos fazer algumas comparações:
(I) Do Balanço: As principais diferenças observadas são dos Ativos Não Circulantes e dos Passivos Não Circulantes:
Esse aumento ocorre justamente pela adição do direito de uso na parte dos ativos e de um passivo de arrendamento. Mais detalhes podem ser encontrados nas Notas Explicativas Nº11 das DFP’s da companhia;
(II) Da DRE: No consolidado anual, é possível analisar o ocorrido no exemplo 1. Pelo IAS 17 é adicionada uma linha na DRE de Arrendamento Mercantil, já na IFRS 16 essa linha praticamente desaparece, mas observa-se um aumento no D&A (Depreciação e Amortização), graças à Depreciação de Direito de Uso, agora contabilizada.
Dessa forma, encontramos uma diferença significativa no resultado operacional da empresa:
¹- O FASB emitiu o ASC 842 em Fevereiro do mesmo ano.
²- O CPC 06 (R1) – IAS 17 - foi revogado no dia 31/12/2018, e cedeu lugar para o CPC 06 (R2) – IFRS 16, aprovado em 2017 e vigente a partir de 2019.
³- Algumas situações para o Arrendamento Financeiro. É aquele que:
Há a transferência da propriedade do ativo para o arrendatário no fim do prazo do contrato;
No fim do contrato o arrendatário tiver a opção de comprar o ativo por preço que se espera que seja suficientemente mais baixo que o valor justo [...];
O arrendatário deverá ter o bem em seu poder por um prazo consideravelmente significativo [...] a maior parte da vida econômica do ativo;
No início do contrato, o valor presente dos pagamentos seja igual a pelo menos todo o valor justo do ativo;
Os ativos são de natureza especial tal que apenas o arrendatário possa usá-las sem grandes modificações.
(4) - Algumas situações para o Arrendamento Operacional. É aquele que:
O prazo do contrato seja inferior a 75% do prazo de vida útil econômica do bem;
O preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado.
(5) - Artigo 179 da Lei n.º6.404/76, nova redação pela Lei n.º 11.638/07: os direitos que tenham por objeto bens materiais designados à continuidade das atividades ou exercidos com esse propósito em uma empresa, até que se transfiram os benefícios, riscos e controle desses bens à empresa, devem ser registrados no Ativo Imobilizado.
Autor : Murilo Vioti | linkedin
Bibliografia
PINHEIRO, Raul Gomes. A influência da aplicabilidade da norma CPC 06/IFRS 16 nas demonstrações e índices financeiros das companhias aéreas brasileiras. Revista Eletrônica do Departamento de Ciências Contábeis & Departamento de Atuária e Métodos Quantitativos (REDECA), v. 6, n. 1, p. 44-59, 2019.
RIBEIRO, Tatiane. IFRS 16: impacto no setor aéreo. 2017.
MORALES DÍAZ, José; ZAMORA RAMÍREZ, Constancio. IFRS 16 (leases) implementation: Impact of entities’ decisions on financial statements. Aestimatio: The IEB International Journal of Finance, 17, 60-97., 2018.
CAMPANHA, Renata Almeida; DOS SANTOS, Odilanei Morais. Impactos da adoção do IFRS 16 em uma empresa brasileira arrendatária. Enfoque: Reflexão Contábil, v. 39, n. 3, p. 1-18, 2020.
COLARES, Ana Carolina Vasconcelos et al. Efeitos da adoção da IFRS 16 nos indicadores de desempenho de entidades arrendatárias. Revista de Gestão, Finanças e Contabilidade, v. 8, n. 2, p. 46-65, 2018.
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